Voltei ao blog. Falta-me disposição, confesso, para introduzir um novo tema. Há tanto o que ser aqui expresso, mas tem me falhado a capacidade de depurar os pensamentos e torná-los opiniões cheias e vigorosas, como busquei antes.
Na falha de se pensar por si, pensa-se por outros. E isso é tão belo quanto humilde. Admirar a capacidade alheia é fantástico para refletirmos sobre o que, de fato, somos e quais as nossas verdadeiras habilidades.
Uma das minhas admirações mais afetuosas, quase como de tio-avô, vai ao poeta Manuel Bandeira. Sua obra me foi, e é, muito importante por conta do que diz e transparece. Ao poeta parece ser fardo a tarefa mais cansativa e complexa ao homem: transformar o que se sente, e só existe na mente, em palavras. Não à toa, a poesia é cultuada desde os primórdios de nossa história. O homem lhe é indissociável.
É bem verdade que nesse mundo de virilidade e machismos inseguros no qual vivemos há tão pouco espaço para a poesia e a sua representação da vida. A vida é tão somente uma página em branco cujo conteúdo se faz como melhor aprouver. Olhamos para ela da forma como quisermos – e pudermos, claro. Os olhares, definitivamente, dependem de tantas outras variáveis que se acabariam as linhas na tentativa de descrevê-las.
Por esse peso da poesia, por sua natureza humana e a faceta quase transcendental a ela atribuída, não posso deixar de fazer uma homenagem a Manuel Bandeira. Ele tinha a incrível capacidade de simplificar coisas aparentemente insolúveis e se expressava em uma sinceridade seca e sofrida, com a melancolia de quem vive esperando a morte. Apesar desse pessimismo que se percebe a princípio, sua obra se transmuta em uma ode à vida e ao amor simples e livre de subterfúgios medrosos.
Ao contrário do que se diz, ele sempre trilhou um caminho próprio em sua obra. De seu início parnasiano cuidadoso ao fim de obra em versos livres e "modernistas", Bandeira foi um "tio" aos poetas modernistas brasileiros, que tiveram nele grande aliado. Seu compromisso com sua arte era ardoroso e ele o cobrava assim de outros artistas, como Vinicius de Moraes, que se tornou grande admirador de sua literatura e sempre apontou o amigo como o poeta brasileiro que mais o influenciou em suas criações.
Separei duas obras do grande poeta: A morte absoluta e Belo belo.
A morte absoluta nos faz sentir uma melancolia recatada, porque trata de morte e do medo primordial de se ir e deixar aqui, no mundo, o espólio inacabado do que se fez e tentou fazer. Demonstra o medo da fragilidade da carne e o absurdo de simplesmente não haver nada além, de interromper-se o existir para surgir a ausência.
Já em Belo belo aparece essa característica precisa e simples de Bandeira. Ele se desfaz das arrogâncias, de todos os acessórios que julgamos ser necessário à rotina, para se entregar à beleza das coisas mais ingênuas. Somente na poesia se pode tirar dos ombros tal peso.
Se quiserem compartilhar suas opiniões sobre os poemas e/ou criticar a minha falta de criatividade, fiquem à vontade.
A morte absoluta
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."
Morrer mais completamente ainda, - Sem deixar sequer esse nome.
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Belo Belo
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.
A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
A quem interessar mais da poesia de Manuel Bandeira, sugiro os poemas Madrigal melancólico, Profundamente, Vulgívaga, Os sapos, Desencanto, Testamento, Vou-me embora pra Pasárgada, Estrela da vida inteira, Poema do beco, Arte de amar...
É isso, gente. Fico aqui, até a próxima.