domingo, 10 de outubro de 2010

Crítica de filme?


"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida" - Vinicius de Moraes

Sendo fiel à promessa de ser constante, volto a postar aqui. Vai ser difícil ofuscar o sentimento do último post, mas a vida existe e persiste, como dizem muitos. É necessário ir além das reminiscências e das pedras do caminho. Ao menos, parece isso ser o certo a se fazer.

Assisti a Wall Street - o dinheiro nunca dorme e ele me fez refletir bastante, especialmente sobre um tema que sempre paira nas conversas, nos sorrisos e nas felicidades (por que não?) de todos: dinheiro.

O cinema traz consigo um pacote de pensamentos e reflexões. E é impressionante a sua capacidade de nos desconstruir em tão pouco tempo. Wall Street faz um passeio estonteante e veloz pelo mundo enigmático da grande economia. Retrata as pessoas que nós, reles mortais, julgamos não serem reais. Se pensarmos bem, é compreensível. Não parece haver limites a suas vidas. A obsessão, a guerra, os orgulhos poderosos, tudo se congrega para criar uma realidade mutiladora e atroz, onde o dinheiro foi há muito esquecido e o que importa é a sensação de estar em si frente aos outros, ou seja, ser invencível. A invencibilidade remete à imortalidade e não é nem necessário explicar por que ela é tão almejada.

A falta de limites que os personagens transmitem, apesar de serem caçados por diversos censores, como o governo, causa uma grande contradição, pelo menos em mim. Por mais que a publicidade insista em nos vender as impossibilidades de uma vida livre e ousada, cada vez mais sinto as pessoas atadas a valores e necessidades abertamente opostas.

Por exemplo, quando se passeia por um Shopping Center. O que lá existe? Existe uma vida que não é a minha, tampouco a sua. Vende-se imagens, estereótipos, objetos, fotografias e roupas que vão se entranhando lentamente aos gostos das pessoas. Consumir é humano e é justo, faz parte de pertencer à nossa sociedade. O problema é o excesso, a desmedida (ou a Hybris como quiseram os gregos).

Os gregos, por sinal, acreditavam piamente no equilíbrio entre as forças da natureza e, por isso, do homem. Dessa forma, se houvesse numa cidade alguém suficientemente bom para ser muito superior a todos os outros, ele era expulso da polis para evitar a hybris dos sentimentos, como a inveja e a discórdia – era uma forma de se cortar o mal pela raiz. Nós, pelo contrário, insuflamos o excesso. Enfim, até aí, nada de novo.

Mas, o que acontece com aqueles que não podem consumir? Aqueles que vagam a esmo pelos corredores perfumados e aromatizados com cheiros que os próprios narizes nunca sentirão em suas casas; aqueles que são outros quando falamos sobre eles, mas que podem ser nós quando formos sinceros com nossas possibilidades. Não resta nada. O shopping se torna um amontoado de vontades congruentes e insaciáveis. Nós somos insaciáveis, se precisarmos. E esse é o meu link com o filme.

Wall Street narra a história dos bastidores da ganância e do poder, representado pelo dinheiro. A atuação brilhante de Michael Douglas e, especialmente, a natureza demasiado humana de seu personagem conseguem até se sobrepor ao final demasiado palatável - mas justo, ao final das contas. Os planos escolhidos pelo diretor me trouxeram um pouco da asfixia e da vertigem do ambiente retratado. A velocidade e a ferocidade embutida nos diálogos aparentemente corteses sugerem um emaranhado de mistérios, conspirações e intrigas, que, por si só, garantem um bom enredo. Gostei e indico.

No entanto, me fez refletir muito o personagem de Douglas, Gordon Grekko. Principalmente em suas falas. Em um momento ele compara o dinheiro a uma puta sem humanidade, que se não for devidamente vigiada se vai e nunca volta. Isso demonstra uma necessidade insistente e arrebatadora de se massagear um ego que não cabe em si mesmo. Tal fato está relacionado com a busca pelo poder e pela vaidade, que se utiliza do dinheiro como um artifício para fazer valer outras motivações díspares do que se pode pensar sobre a riqueza.

Nesse sentido, surge o dinheiro. O que é, afinal, o dinheiro? Muitos vão me dizer que é a solução dos problemas e outros vão ser audaciosos o suficiente (como já fui muitas vezes) e dizer que ele não traz felicidade. Que se fodam os clichês. Sim, o dinheiro é importante. Toda a vida se pauta nele, naquilo que ele proporciona. É aí que gosto de ver a questão. O dinheiro não é um fim em si mesmo, mas, ao contrário, um meio para fins outros.

O filósofo alemão Edmund Husserl introduziu uma forma muito interessante de se analisar a realidade. Ele dizia que a verdade das coisas nos era impossível de ser compreendida porque o exterior e as coisas que vemos nele impedem de se extrair a verdade ou a essência daquilo que vemos. Assim, o objeto em questão se "contamina". Então, ele propôs uma forma, com vários métodos, de se buscar extrair das coisas aquilo que as tornava "impura". A isso se denominou redução fenomenológica.

Por isso, é necessário fazer uma redução fenomenológica, em seus devidos termos, em relação ao dinheiro. Por que devemos tê-lo? Ele faz feliz. E por que? Porque nos permite ter acesso às coisas, ao consumo, à tranqüilidade de uma vida rica e farta. Na verdade, o papel pouco importa. Seu valor não está no lastro, mas em suas conseqüências.

O dinheiro nos leva a um mundo sem dificuldades, onde parece ser mais fácil se embeber de felicidade. Afinal, a felicidade e a realização são os fins últimos de nossa existência. Representam talvez a única forma de poder dizer, e com sinceridade, em seu último suspiro: “Eu aproveitei a minha vida. Fiz valer cada segundo que me houve”. Esse é o desejo mais persistente na cabeça, ainda que seja mórbido, mas quem disse que a vida não é?

Entre tantas pretensas vontades e desejos, surge o dinheiro como o instrumento, o arauto de esperança da vida vazia. Vale ressaltar que novamente o problema não está no dinheiro, ele não é maligno. Por sinal, ele não quer nada, é um mero meio. O problema - se isso for um problema e não uma materialidade inequívoca - está em quem o utiliza.

Uma das frases de Gekko ficou em minha cabeça por sua incrível realidade. Quando ele diz à filha que ela precisa give a break (não soube como traduzir com precisão, mas é algo como dar uma trégua) às pessoas porque elas são um misto de coisas que não entendem, simplesmente faz um resumo muito fiel do que somos e como funcionam nossas motivações. Se tantos se sentem perdidos, por que esperar sempre por atitudes encontradas?

A vida se faz por cima do encontros e desencontros.

Fico por aqui e até a próxima.

3 comentários:

  1. Gostei muito do filme também. Me fez pensar sobre o que vale a pena para ser bem sucedido na vida. Seria só o mercado financeiro marcado por essa ganância ou nele é apenas mais explícito? #ficaadica hahahah

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  2. Excelente reflexão... é inegável que o dinheiro pauta nossas vidas e relações, como também é inegável que ele não é o motivo da nossa vida...
    mas está sempre presente...

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  3. AMEI ler isso!
    Quantas conexoes deliciosas e pertinentes!
    Escreve maaaaaiiiis!

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